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domingo, 1 de janeiro de 2017

As melhoras da morte...


A crise parece longe. A crer nas transações efetuadas nos terminais multibanco na véspera de Natal. Cansados de festejar o natal a contar os tostões, os portugueses este ano saíram à rua dispostos a tirar a barriga de misérias. Entre 25 de novembro e 24 de dezembro levantaram nas caixas multibanco espalhadas pelo país 2,397 mil milhões de euros, mais 100 milhões de euros que em igual período do ano passado. Lentamente começam a dar razão a Mário Centeno, o homem que acreditava na alavancagem da economia a partir do consumo. Os sinais de que não o querem deixar ficar estão aí nos dados da SIBS, a empresa que gere a rede multibanco, agora divulgados.
PAULA FERREIRA.
Jornal de Notícias
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As melhoras da morte...

O aumento do consumo das famílias portuguesas, no ano corrente, que teve a sua máxima expressão na época natalícia, seria, na realidade, uma óptima notícia, se esse consumo tivesse sido dirigido, maioritariamente, para os bens, com elevada incorporação de matérias-primas e de trabalho nacionais. Mas, julgo que não é o caso, a avaliar, grosseiramente, pela comparação da evolução das importações e das exportações, com as primeiras a crescerem mais do que as segundas, o que vai agravar a balança comercial do país, aumentando a situação deficitária. Esta estratégia, a de privilegiar o aumento do consumo, como factor predominante, para impulsionar o aumento do PIB, não poderá ser mantida por muitos mais anos, a não ser que os desequilíbrios, que venham a ser gerados, venham a ser compensados com o proporcional aumento das exportações e do investimento, uma hipótese que apresenta muitas incertezas, devido ao clima político e económico internacional e ao ambiente de crise permanente na Europa.

Por outro lado, este aumento do consumo deveu-se mais à libertação das poupanças (ter dinheiro no banco começou a ser perigoso) do que ao aumento real dos salários, que foi diminuto.

Feita a análise, segundo esta perspectiva, julgo que não podem deitar-se muitos foguetes, porque a crise ainda não acabou, a colossal dívida externa não diminuiu e a austeridade troikiana, levada a cabo pelo governo da direita, ainda vai demorar algum tempo a ser totalmente removida (se for). Se nada for decidido em relação à reestruturação da dívida à troika, e se Portugal continuar amarrado à moeda única, não tenho dúvidas que o cerco dos credores manter-se-à, com a Comissão Europeia à cabeça, a morder-nos as canelas. Isto, claro, no caso da actual estrutura do poder da política europeia passar incólume às vicissitudes das eleições da Alemanha e da França, no próximo ano.

Assim, eu direi que a festa consumista deste ano assemelha-se mais às melhoras da morte.

Alexandre de Castro