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terça-feira, 18 de novembro de 2014

COMUNICADO DA FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS (FNAM)


FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS

O Internato Médico, o seu retrocesso e os novos desafios decorrentes da política mercantilista desta equipa ministerial

O Internato Médico, constitui a base insubstituível do exercício qualificado e diferenciado da profissão médica e um fator de contínuo fortalecimento das Carreiras Médicas.
Logo no início da profunda reflexão encetada em torno da estruturação do próprio conceito das Carreiras Médicas, o conhecido e sempre atual “Relatório sobre as Carreiras Médicas”, divulgado em 1961, considerou que “os internos constituem um elemento imprescindível da orgânica hospitalar, de tal modo que os serviços onde eles rareiam, funcionam dificilmente…”.
Importa lembrar que naquela altura não existiam centros de saúde e que o trabalho médico organizado em equipas se desenvolvia exclusivamente nos poucos hospitais em funcionamento.
Ainda antes de existirem no plano legal quaisquer enquadramentos de carreiras médicas, o Internato Médico já era uma realidade marcante no funcionamento das unidades hospitalares públicas e com acrescidas exigências de rigor formativo e de contínuo aprofundamento científico.
Podemos considerar que sem essas exigências na formação dos novos médicos que várias gerações de distintos médicos hospitalares seniores se empenharam em desenvolver, ao mesmo tempo que preservaram a formação médica de intromissões e perversões políticas mesmo em tempos difíceis da ditadura, não teria sido possível mais tarde, e já em democracia, criar o edifício jurídico e técnico-científico das Carreiras Médicas.
A estruturação do Internato Médico ao longo dos anos e o enquadramento legal que foi estabelecido a nível curricular, de transparência de processos de avaliação e de equidade formativa, fazem dele um exemplo ímpar no plano  
internacional e com amplo reconhecimento por múltiplas instâncias de diversos países.
No início da década de 1990 e após a conclusão do processo negocial do segundo diploma das Carreiras Médicas (D.L. n.º 73/90), foi legalmente eliminada a possibilidade de efetuar internatos da especialidade voluntários pela Ordem dos Médicos.
De acordo com essa via, os médicos que não obtivessem uma nota na prova de seriação nacional que lhes possibilitassem escolher a especialidade que pretendiam, estabeleciam contactos com diretores de serviço para obter a respetiva autorização para se integrarem nas atividades do respetivo serviço e concluída a formação equivalente à dos médicos internos aí colocados por concurso, apresentavam-se a um júri designado pela Ordem dos Médicos para obterem o título de especialista.
O trabalho no serviço e a formação obtida não eram objeto de qualquer remuneração, o que implicava a realização de trabalho indiferenciado por parte desses médicos noutros locais após o horário relativo a esse internato voluntário.
Durante esses anos, este processo dos internatos voluntários esteve sempre envolto em grandes polémicas e contestações, porque em múltiplos casos eram levantadas suspeições de que não era colocado a concurso um número razoável de vagas para depois assegurar o seu preenchimento pelos voluntários da simpatia de alguns diretores, bem como o facto dos médicos internos colocados por concurso serem muitas vezes preteridos em benefício dos referidos voluntários na construção do currículo.
Assim, o então Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Saúde emitiu a Circular Normativa n.º 18/92, onde num dos seus parágrafos é afirmado que: “É, pois, oportuno e necessário reafirmar esse impedimento que se mantem vigente e que decorre nomeadamente de disposições legais comunitárias. De acordo com o Anexo à Diretiva 75/CEE, aditado pelo artigo 13.º da Diretiva 82/76/CEE, a formação deve ser efetuada em postos específicos, com toda a dedicação à atividade e ser objeto de remuneração adequada. Será forma de garantir as condições e a qualidade da formação e, consequentemente, o reconhecimento de diplomas, certificados e outros títulos obtidos”.
Deste modo, foi com algum espanto que verificamos estar previsto o retorno dos internatos voluntários à Ordem dos Médicos na última versão do documento ministerial relativo à revisão do Internato Médico.  
A introdução dessa possibilidade nessa versão constitui formalmente a liquidação da titulação única.
Acaba por se tornar inevitável trazer à discussão, com maior ou menor grau especulativo, a ligação entre uma medida deste tipo e as afirmações, sem qualquer fundamento, acerca das grandes limitações futuras da capacidade formativa dos serviços ou até dos propósitos de alguns intervenientes quanto à eventualidade desta fase formativa não ser objeto de qualquer remuneração.
Com a alegação, não demonstrada, de que não existem adequadas capacidades formativas e com a recriação de internatos voluntários para obter títulos pela Ordem dos Médicos, está criado o cenário para o desmembramento do Internato Médico, para subir mais uns patamares na escravização do trabalho médico e para a colocação num mercado de trabalho selvagem muitos jovens médicos indiferenciados e com baixas remunerações.
Simultaneamente, a existência de Parcerias Público-Privadas na saúde e de unidades de saúde privadas que solicitam a atribuição de idoneidade formativa de alguns dos seus serviços, colocam questões delicadas que necessitam de uma abordagem esclarecida, realista e desligada de interesses alheios aos médicos.
A interdependência vital entre a formação de qualidade do Internato e as Carreiras Médicas adquiriu uma evidência de tal dimensão que hoje não é possível negá-la.
A excelência da escola médica no nosso país passou a ser uma incomodidade para diversos círculos económicos e para certos sectores políticos que há largos anos continuam a desenvolver esforços para destruir mais um “mau exemplo” de dois importantes serviços públicos: saúde e educação.
O claro reconhecimento internacional da qualidade da escola médica e da formação pós-graduada no nosso país tem determinado que as instâncias oficiais de diversos países europeus, e até de alguns países árabes, tenham escolhido os nossos médicos como alvo prioritário da sua abordagem de contratação laboral.
Nesse sentido, quando existem pressões políticas para conceder idoneidade formativa a serviços de unidades privadas que na sua grande maioria têm um corpo médico a tempo parcial, que não aplicam qualquer estrutura de carreira médica, nem de progressão e diferenciação profissional, e que nem sequer dispõem de qualquer instrumento de contratação coletiva, o objetivo fundamental só pode ser a promoção do rápido desmoronamento do Internato Médico.
O mesmo objetivo se aplica às PPP, que estão obrigadas legalmente a aplicar o regime das carreiras médicas por disposição expressa do D.L. n.º 176/2009, no  
caso de não disporem da correspondente contratação coletiva negociada com as organizações sindicais médicas.
É deste quadro de avaliação das várias situações existentes que a FNAM irá definir as suas posições reivindicativas nesta importante matéria.
O Internato Médico constitui, na prática, o alicerce das Carreiras Médicas e a sua permanente fonte alimentadora.
Os inimigos dos médicos, das suas carreiras e do SNS sabem que a liquidação do Internato Médico constitui um passo quase irreversível de destruição da qualidade dos cuidados de saúde e da função social e constitucional dos serviços públicos de saúde.
A FNAM assume, de forma inequívoca, o compromisso de desenvolver todos os esforços na defesa do Internato Médico e dos legítimos interesses socioprofissionais dos médicos internos.
A FNAM não pactuará com quaisquer tentativas de restaurar práticas de compadrio e de escravização do trabalho dos médicos internos, independentemente das fórmulas dissimuladas com que se apresentem.

Coimbra, 17/11/2014

A Comissão Executiva da FNAM

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