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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Bruxelas no olho da tempestade

Jean-Claude Juncker

O arranque de Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão Europeia foi comprometedor e agora tornou-se penoso com a divulgação do escândalo sobre benefícios fiscais dados pelos seus governos no Luxemburgo a monopólios transnacionais enquanto os cidadãos europeus penam com as políticas de austeridade.
Segundo o consórcio internacional de jornalistas ICIJ, os governos do Luxemburgo presididos por Jean-Claude Juncker, que ao mesmo tempo era presidente da Zona Euro, negociaram taxas fiscais anuais ínfimas, da ordem dos 2% mas que em alguns casos foram mesmo de 1%, com grandes empresas transnacionais como o IKEA, a Amazon, a Pepsi, o empório norte-americano de Tabaco British American Tobacco, a AIG, o Deutsche Bank, enquanto a taxa fiscal no país é de 28,6%. Os jornalistas baseiam a sua denúncia em milhares de documentos que podem ser consultados no dossier que elaboraram. Segundo essas fontes, os enormes benefícios fiscais estão contidos em pelo menos 548 acordos envolvendo no mínimo 340 empresas, entre as quais a maioria dos nomes sonantes que acumulam lucros fabulosos e figuram entre os que tiraram maiores proveitos com a crise em que sobretudo a Zona Euro está mergulhada.
As primeiras reacções de Juncker “são catastróficas”, diz-se no interior da Comissão, onde os eurocratas da nova equipa ainda estão a instalar-se. O facto de a sua porta-voz, Margaritis Schinas, se ter escusado a comentar o assunto e também o cancelamento da presença do presidente da Comissão num seminário ironicamente dedicado “ao futuro da Europa”, foram as piores reacções que o ex-primeiro ministro luxemburguês poderia ter. A porta-voz limitou-se a declarar que “o Sr.  Juncker está muito tranquilo”. Formalmente, o presidente da Comissão Europeia fez saber que não será ele próprio a investigar o assunto, mas sim a comissária da Concorrência.
“Isso é um formalismo para pacóvio consumir”, revela a título particular um alto funcionário da Comissão. “É óbvio que o Sr. Juncker será juiz em causa própria e tudo fará, como os primeiros indícios desde já revelam, para fazer crer que os negócios de que beneficiam as grandes empresas estão previstos nas leis e cumprem a preceito as normas da concorrência, tratando-se tão somente de uma questão de competitividade”, acrescenta o alto funcionário.
“O Sr. Barroso deixou a presidência da Comissão a contas com um problema mal explicado, e ainda em averiguações, de submissão a lobbies tabaqueiros; e agora entra o Sr. Juncker trazendo para o interior das instituições europeias um problema gravíssimo de desequilíbrio entre as vantagens das empresas e os sacrifícios exigidos aos cidadãos. Depois admiram-se de que as pessoas não se revejam na Europa”, afirma ainda o alto quadro da Comissão Europeia.
No Luxemburgo as opiniões dividem-se. O sucessor de Juncker na chefia do governo, o liberal Xavier Bettel, garante que os acordos “respeitam as normas nacionais e internacionais” e que o seu executivo “está comprometido com a equidade”.Nicolas Mackel, chefe executivo da Luxembourg for Finance, limita-se a argumentar que “o sistema de impostos no Luxemburgo é competitivo”.
“Nós, os que trabalhamos no duro, é que não conseguimos benefícios desses, não há competitividade que nos valha”, argumenta Isabel Marques, imigrante portuguesa há mais de 20 anos que começou nas limpezas e que “mal consegue ir equilibrando o barco” com o seu pequeno estabelecimento. “Impostos, impostos e mais impostos, exigências e mais exigências, lá fora diz-se que os nossos salários são elevados, e são se os compararmos com os de outros países, mas os impostos que nos sugam também não têm comparação; e a nós, os pequenos, os imigrantes, não nos fazem acordos para pagar 2% de impostos”, acrescenta Isabel.
Em Bruxelas, na quinta-feira, uma gigantesca manifestação sindical e popular surpreendeu mesmo os mais cépticos. Pela primeira vez a polícia esteve de acordo com os organizadores em calcular as presenças em cerca de 100 mil.
“Estamos aqui para exigir ao primeiro ministro Charles Michel, por exemplo, que corte nos benefícios às grandes empresas, nas mordomias financeiras e não nos nossos salários e direitos”, desabafou Martha lamentando “a brutal perda de poder de compra que nós os belgas estamos a sofrer como em tantos outros países”.
“E se esta mobilização não der os resultados que exigimos avançaremos para a greve geral em 15 de Dezembro”, acrescentou a jovem mãe de família.
“A Europa está a ser governada por um bando de gente sem moral trabalhando apenas para os lucros das grandes empresas sem pátria e para as mafias financeira, enquanto explora os cidadãos sem dó nem piedade”, de acordo com Joseph Ackerman, cidadão alemão que trabalha na capital belga. “Quer coisa mais revoltante”, perguntou, “do que saber que um grupo como o Deutsche Bank, que é um sustentáculos da política que Merkel impõe a toda a Europa, sobretudo aos mais pobres, beneficia de impostos inferiores a 2% negociados com o governo do Luxemburgo? Isto é legal? Nada disso: isto é uma burla, e das grandes… E o que faz a polícia?" - prossegue Joseph no caminho das interrogações. "O que está a ver-se: carrega sobre os manifestantes enquanto os verdadeiros, os grandes criminosos estão à solta e muito bem na vida".

José Goulão, Bruxelas
Pilar Camacho, Luxemburgo
"Jornalistas Sem Fronteiras"
2014-11-07

Agradeço à minha amiga Pilar Vicente o envio deste texto.

1 comentário:

O Puma disse...

Ceguinho é o cão

diz o cego

Abraço